sábado, 18 de fevereiro de 2012

Fetiches, Propostas e Verdades


Fetiches, propostas e Verdades

        O cheiro de sexo e morte era cada vez mais forte, o corredor estava escuro, iluminado apenas por uma luz verde no fundo de um quarto entreaberto, era o bordel mais sujo e repugnante em que Paulo já esteve. Andava lentamente sobre o chão de madeira que rangia tão alto que era possível se ouvir do quarto onde uma puta o esperava. Desde quando fizera 15 anos, Paulo tinha fetiche por sexo com tortura, ele acabava de cruzar a porta do quarto, a cama velha e minúscula tinha correntes presas a ela, a mulher estava totalmente nua, somente com uma mascara de couro preto com aberturas para os olhos e a boca, ele olhou para ela, era pálida e magra, os seios de uma mulher já desgastada, apostou consigo mesmo que ela tinha quase 40 anos. Paulo despiu-se, o corpo magro e esguio chegava a ser assustador, cheio de ferimentos e cicatrizes, algumas de automutilação, outras de fetiches sexuais. Paulo ainda não sabia, mas o diabo o estava ali, naquele exato momento, naquele mesmo quarto.
        A mulher aproximou-se e prendeu Paulo à cama, e então começou mais uma de suas muitas fantasias, cortes, enforcamento, sexo, tortura, muito sexo e um inacabável fluxo de sonhos e pensamentos orgásticos, o que para muitos seriam apenas bizarrices, para Paulo e o diabo que o observava, era arte, a mais pura arte, a arte de embriagar-se de sangue, sexo e dor, e para o diabo, Paulo era o maior dos artistas dessa arte obscura.
        A cena era ambientada por uma trilha sonora pesada, um metal tão obscuro quanto o sexo, Paulo admirava a dama sobre ele, um súbito piscar de olhos, a musica parou, outra tão suave e melódica invadiu o lugar, o coro suave de mil anjos mortos invadia a mente de Paulo, a mulher, estava parada, petrificada, Paulo se desprendeu e saiu debaixo dela:
        -Saudações Paulo- Disse o diabo, vindo das sombras- eu realmente sou um grande fã.
       -Quem é você? Onde você tá?- Paulo ainda não tinha o visto, estava histérico- Aparece!
       -Aqui atrás- o diabo disse suavemente em quanto Paulo se virava- perdoe-me, não me apresentei, pode me chamar de Pai, de fato, eu não sou seu pai, eu sou o diabo, eu estava lá, no dia de sua concepção, desculpe minha indelicadeza, mas sua mãe era uma delicia.
        Paulo analisou, não era como ele sempre imaginara, o diabo era um homem alto, um cavanhaque perfeito, o rosto maduro e sedutor, cabelo liso, curto e penteado, trajava um terno preto, mesmo um homem diria que ele era lindo, parecia ser bem humorado, Paulo não sentia nem um pouco de medo, só uma ansiedade enorme, era o diabo, o momento pelo qual sempre esperou:
       -Então, o que faz aqui?- perguntou Paulo.
       -Pra falara verdade, eu sempre estive com você, sempre observei sua mente doentia, você é o mestre na arte do fetichismo e da dor, e hoje eu vim lhe fazer uma proposta.
        -Diga então sua proposta.
        -Ainda é cedo para isso, aceita uma bebida?
       O Diabo nem ao menos esperou a resposta, e de repente os dois estavam em uma taberna, obscura e deserta, estavam sentados, um de frente para o outro, e então eles começaram a beber. O diabo amigavelmente disse:
       -Paulo, já deve ter percebido que tenho um grande interesse em você, eu quero que me conte sua historia, na verdade, eu sei sua historia, mas eu gostaria de conhecê-la sob seu ponto de vista, então, comece.
       Paulo estava tímido e relutante inicialmente, mas logo se soltou, e começou:
        -Bom, desde que me entendo por gente eu tenho sonhos e pensamentos obscuros, pensamentos que nem eu entendo, aos 15 anos me tornei viciado em sexo e flagelação, eu sempre quero me punir por algo, talvez algo que eu não fiz, ou que fiz e me esqueci, eu trabalho em uma lanchonete, não ganho mais que o suficiente para comprar drogas e sexo, sou a pessoa mais moribunda que conheço.
       -Moribundo? Não, você é um gênio, simplesmente deixou fluir da maneira certa, você não tem arrependimentos, não é? Foi o que eu pensei, mas responda-me uma coisa, onde estão seus pais?- Perguntou o diabo com um tom provocante.
       -Estão... Estão lá... Ora... Eu não sei onde eles estão- estava suando frio- Onde eles estão? Onde?
        -Ora, ora, ora, fui eu quem perguntou. Você não se lembra? Você os matou, não se lembra do rio no fundo da velha casa da falecida vovó.
        -Eu não os matei- agora estava histérico
        -Se você diz, mas... Quando foi a ultima vez que os viu?
        Paulo refletiu, pensou, pensou e não chegou a lugar algum, um suspiro de horror, ele se acalmou e disse:
        -Eu nunca os vi...
        -E você sabe por que nunca os viu?
        -Por que eu os matei...
        -Errado, você não os matou, foi só uma brincadeira -uma risada provocante- Você nunca os viu por um único e patético motivo, você nunca existiu, você não se lembra de nada antes dos 15 anos, você sempre esteve sozinho, as prostitutas nunca existiram, seu mundo nunca existiu...
        Paulo já havia se conformado, mas ainda se questionava, então perguntou:
        -E você? Você é real? Já que tudo em meu mundo não existe, você não existe.
        -Não, não, não, eu existo, você existe, mas não do mesmo modo que as outras pessoas, na verdade, você não é uma pessoa, você é um objeto, uma sábia marionete, o escritor das mais sábias palavras que jamais serão ditas, você, Paulo, é um pequeno fragmento que escapou da minha vulnerabilidade, você é minha consciência, é incrível o modo como você ficou inerte por tanto tempo, sendo a parte mais vulnerável do meu ser.
        Paulo estava sedado após tantas palavras, palavras que lavaram sua alma, se é que ele tinha uma:
        -Mas, e toda aquela conversa sobre minha concepção, sobre sua proposta, sobre eu ser um artista?
        - Paulo, era tudo conversa fiada, eu precisava te convencer a vir, e sobre a proposta, acho que já está na hora de você sair do eterno limbo que é sua vida, por todo esse tempo, eu sinto cada erro seu, cada pensamento bom, a minha proposta é te levar comigo, você será de novo o ser perfeito, você aceita?
        -Bom- Paulo pensou por um momento- Já que eu sou um nada em meu mundo irreal, eu aceito...
        -Então vamos, novo servo- Disse o diabo.
       Então Paulo percebeu, mentiras, fora a única vez em que se sentiu importante, sabia que era real, mas agora, era tarde, o diabo o arrastava pelos portões do inferno, e ele desaparecia em meio ao eterno brilho ardente do pecado. Paulo, mais um que se deixou levar pelas sabias palavras do diabo, o colecionador.


Budda
Twitter: @MatheusLecter

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